domingo, 18 de dezembro de 2016

Bichos-mais-que-medonhos





Não me importava de fazer nascer os bichos-medonhos- pela- noite -fora.
Os bichos- medonhos, os bichos- mais - que -medonhos, todos os bichos, pela noite fora.
Não me importava.
A porta dos bichos permanecia entreaberta toda a noite e, todas as noites. Era pela porta aberta que nasceriam. Uma porta sem dobradiças nem ferrolho.
Para fazer nascer os bichos, começava-se por fechar também todas as janelas. E, deixar que os humores do dia e misturassem com o breu para fazer nascer pensamentos.
Todos os pensamentos eram alma dos bichos. 
Para os medonhos era necessário pensamentos de um dia em revolta, de um dia de mar alto e angústia. E sem nenhuma emoção.
Bastava que uma única emoção, entrasse pela porta dos bichos, ao fundo de mim, que já não  seria possível fazê-los nascer.
Nos dias de raiva, em que as mentiras tinham andado à solta a gargalhar ao sol, era muito mais fácil fazer bichos medonhos.
Nos outros, às vezes, saíam só os bichos de faz-de-conta…redondinhos e pasmados. Sem vontade de naufragar pelo sonho adentro…



(escultura de Rosa Ramalho)

 

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Pietra


(Escultura de José Castro López)

 Escutou-me primeiro o silêncio como se a adivinhar as extremidades.
Depois, num voo suave, com os dedos alados presos por um fio de lágrima à palma, levantou o escopro.
Decidira que me partiria durante o tempo necessário. Nem mais um instante, nem menos numa nuvem de pó e quase nada. Apenas o bastante para me descompassar, me insistir, me fazer resvalar por todas as extremidade de encontro ao cerne.
A pedra cederia por fim o âmago. Sabia disso. Sabíamos disso.
Mais tarde ou mais cedo, as pedras cedem…Podem demorar o tempo dos pássaros que voam em círculos, dos objectos latentes que se movem por um único instante, dos membros que se desenham e redesenham incessantemente balouçados.
E se tocam e se balançam.
E se enchem de veias insuspeitas.
E se misturam de carmim, de verde, de cinza…
Um rio de mármore escorrido por mim abaixo e, o escopro a lamber-me as extremidades ainda toscas.
A força do martelo que se levantava à distância precisa de todos os meus receios.
Não havia ali nenhuma urgência de me partir.
Mesmo assim, sucumbiria a cada instante...

domingo, 4 de setembro de 2016

O último poema



( Gravura de M.C. Escher)
 
 
O último poema


Haveria apenas palavras bastantes para um último poema curto em forma de beco sem nenhuma outra saída além de meia dúzia de palavras que restavam aterrorizadas todas as outras tinham sido levadas ou pelo medo ou pela inoperância ficaram apenas essas que agora se amontoavam quase sem respiração e seguramente sem nenhuma pontuação o tempo de pontuar tinha passado o destas parcas palavras só tinha presente uma vez que nem sequer se atreviam a inventar um futuro tal o medo de igual destino a estrofe curta e atarracada logo no início do papel parecia-lhes o único porto seguro abraçaram-se as últimas palavras havia um porém e um sempre uma verdade e dois falsos um cume e um absoluto nenhuma interjeição
fosse como fosse era melhor ser-se rápido pensou o poeta não fosse a estrofe não aguentar
Porém falso absoluto
Sempre verdade
No falso cume.

O cume resvalava não obstante o falso que lhe estendia a mão perigosamente pela estrofe abaixo ameaçando perder-se foi preciso mudá-lo rapidamente

Porém Falso absoluto
Sempre no falso cume
Verdade

Mas o certo é que a verdade não se aguentou sem nexo assim no final de tudo dependurada com um V á beirinha da estrofe O que haveria de verdade Perguntar-se-ia antes que a palavra se perguntasse e com isso se fosse o poeta tratou de a recolher

Porém absoluto 
Falso cume
Verdade ? Falso!

sábado, 2 de julho de 2016

quinta-feira, 30 de junho de 2016

IX Encontro de Escritores


Estarei presente, mais uma vez,  a convite do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora.
Estão todos convidados!

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Existência, num murmúrio, no fundo do coração




Desenhou uma espiral na estrada da casa, a afunilar directamente, à estrada do pensamento.
Não se percebia muito bem, da porta, quantos passos se teriam que dar, para ultrapassar toda a realidade, rodar a maçaneta aos sonhos e, desembocar numa passadeira, sem vivalma.
Mandava então parar o tempo, aquietar o espaço e seguia.
A viagem era sempre a da existência, sem destino preciso nem direccão definida.
Guiava-o uma bússola que herdara do seu avô. E, um marca-passos amarelado, de vitrine partida e ponteiros seguros por um elástico, que lhe permitia contar toda a vida, segundo a segundo, por uma boa parte da eternidade.
Todos os dias percorria sozinho, uma boa parte da eternidade,
Não havia nem esperança nem contemplações na viagem.As bermas  permaneciam inertes e a paisagem, permanentemente indefinida.
Depois de horas a repensar o que o levara, pesava outras tantas a ensimesmar-se sobre o que o traria...
Ainda hesitou, por um dia, desviar-se. a causa, foi um pequeno murmúrio, que pareceu ouvir, do fundo do coração (...)

quinta-feira, 17 de março de 2016

6º festival Internacional de Poesia Grito de Mulher



Estarei presente mais uma vez, no Festival Internacional  de Poesia Grito de Mulher. A decorrer em Lisboa dias 19 e 20 de Março. Apareçam!

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Licungo


Hoje é apresentado em  Lisboa mais um número da revista Licungo em que tenho o gosto de participar.
Uma edição do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Em suspensão



Atravessou toda sua a inconstância, em passos miudinhos, do início até ao fim.
Para trás, tinha deixado o seu próprio disfarce, escrito ainda em passos indecisos e um pequeno raio de sol.
As nuvens baixas, não lhe tocaram sequer os passos. E a música, essa, soletrava-se de memória de cada vez que o vento o empurrava para a frente.
Em baixo, sempre o soubera, não haveria nem distância, nem paisagem, nem sequer um único lugar. Só a velocidade turva das vidas, em permanente desequilíbrio…


Na imagem: "Funambulo" de Fernando de la Jara