sábado, 31 de dezembro de 2011

Vamos pegar 2012 - de caras!


Esta foi a imagem que escolhi para o novo ano que hoje começa.
Não pretendo com isso iniciar nenhuma discussão em torno dos prós e contra dos toiros e das toiradas.
Simplesmente deixar uma imagem, que fala por si...e poderá falar por nós, enquanto povo com tenacidade para superar as adversidades e, solidário.
Somos capazes de pegar 2012 de caras...então, vamos lá!

Termina também hoje, o Ano Europeu do Voluntariado.
Inscritos, Portugal tem meio milhão de voluntários. Chega a um milhão se contarmos, com pequenas instituições. A prova de que podemos e sabemos fazer melhor e  fazer diferente. Unidos.
Um Bom ano a todos!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Requiem em plátanos



Nada faria prever que o Outono fosse tão breve...já o fim anunciado:
- Não tenha medo...a morte, segurar-lhe-à, certamente, a esperança. Morre-se sempre, com alguma esperança.

Uma mão fria de coisa nenhuma a segurar-lhe a  tal esperança, quase oca.
Um vazio e depois a luz. Ou depois o vazio. Ou entretanto o silêncio e a luz...E, antes disso o medo. Frio e pálido, a bambolear-lhe a alma. Um medo medonho de coisa alguma. Pelo menos de coisa que se parecesse a nada. Era isso que o assustava....para além da morte.

Com sorte, tudo aquilo em acreditava, bem como o armários desarrumado da memória,  seguiriam incólumes... na travessia. Chocalhados, mas incólumes.

Seria assim, na brevidade dos três meses, que lhe poriam, quando muito, uns pequenos sonhos a chilrear. Ou com sorte, mais uns três, a encostar-lhe as lágrimas ao debruado de azul, dos longos dias de verão.
Não mais do que isso, não. Sabia que não.
Nem mais uma paragem. Nenhuma outra estação.

Atravessou o parque. As mãos ao longo do corpo sem destino. No chão, as folhas já caídas, dos plátanos do seu último Outono..
Agarrou-os à mãos cheias e levou-as para casa.
Durante dias e dias, por todo o Outono, voltou ao parque. Sempre e, só, para as levar.

Milhares de folhas jaziam agora no chão...numa espera silenciosa.
As cores desbotavam dos vermelhos aos ocres, todos os dias.
Até onde, o coração se lembrasse...

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Somos a imagem do dia...




Hoje a Península Ibérica foi considerada a imagem do dia, da NASA.
Parece que estamos um bocadinho "constipados" aqui por Lisboa...
Uma pequena enxaqueca no Porto.
O pior, é aquela dor  mais perto da fronteira francesa...aquela bola de luz ali, mais um bocadinho e ficava mesmo por detrás da orelha...logo à noite, que já não somos "a imagem do dia" já deve estar.





( a Imagem é da NASA ...não faço ideia o que me vai acontecer...)

Aos filhos






Pediram-me ressuscitação.
Impuseram-me que renascesse.
Que me desse em corpo e sangue,
E água de vida,
E tempo,
E paz.

Na constância de tudo,
Acordei, cada um dos dois mil anos,
A transformar a existência,
num doce balouçar...
que vos fosse,
exactamente,
quase feliz...


(fotografia: Mário Castello)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Feliz Natal



Com a força, a tenacidade, a e as experiências de vida que esta música e estes três Senhores transmitem, desejo a todos os que por aqui passam um FELIZ NATAL.









quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Valsa de Natal em chão de estrelas e caravelas




Não foi fácil. Todo o mês de Dezembro a intercalar caravelas e estrelas, numa geometria perfeita. E o vento frio, a roubar-lhe o rumo à imaginação.
Os dias só de estrelas  eram simples. Bastava-lhe olhar o céu e, acomodar-lhes os sorrisos trémulos, na calçada.
Mas se era preciso mais uma caravela... o basalto duro, teimava sempre em  navegar para lá dos limites impostos pela branda condescendência do calcário... por mais que se esforçasse.
E o velame, a desfraldar-se, por entre os passos, de quem seguia.

Começou no cimo da Avenida. Era mais fácil descer as costas doridas, a contar os passos, a espaços.
Sabia que teria de estar tudo pronto no final dessa tarde. Uma tarde que lhe pareceu igual às outras, semeada de saltos de todos os tamanhos.
Terminou como sempre, com a sua assinatura de calceteiro. E, preparou-se para partir.
Não  teve  sequer tempo de dobrar a esquina...os poucos que passavam àquela hora, saltitavam já, entre as estrelas que entoavam os primeiros acordes de Strauss, ao simples contacto dos pés. E, as caravelas, embaladas em movimentos contínuos de Brahms.
Abriram-se as janelas e as portadas.
Nunca antes a Calçada Portuguesa se entornara assim, de música...
E foi vê-los dançar pela madrugada, numa valsa de calda de açúcar, de um pequeno sonho...de Natal








domingo, 18 de dezembro de 2011

Carta à minha memória ( I )



O repto foi o de escrever cartas. Com remetente e destinatário. Normalmente as cartas distam espaços. Nestas, a separá-las, estará o tempo.
Pelo que o carteiro...se o houver, não poderá ser, senão, a própria vida.

I
Sapatos de Verniz


 Minha Memória,

Não sei o que aconteceu. Tinha-os guardado no armário, entre o bibe, de todos os dias e, a saia que trouxe da festa...agora desapareceram.
Lembras-te certamente. São os pretos, de verniz.  Não aqueles de sempre, herdados da prima, com a presilha meio rebentada que já decoraram o caminho da escola. Mas, os outros, de botão de festa.  Quase não sabem nada estes sapatos. Acho que nem nunca saíram de casa, a não ser no Natal.
Foram  comprados na "Ratinho", precisamente,  para o Natal. A avó escolheu-os e tentou calçar-mos várias vezes, enquanto os meus pés balouçavam no carrossel que rodava, justamente a meio da loja.
Eu sei que te lembras. Estavas lá, junto à porta, não fosse a avó se esquecer da cor. Ou, os meus pés se lembrarem de crescer, justamente naquele instante.
E agora que não os encontro...
Ainda vou procurar melhor numa cómoda cá de casa, onde se guardam coisas insignificantes, coisas importantes, chapéus e se calhar sapatos de verniz. Pode ser que lá estejam. Pelo menos um...mais não seja um.
O outro,  lembro-me agora,  tinha aquela mania  de  se esconder debaixo da cama...
(olha, fui lá e não está).

Sabes memória, já são muitos anos.  Eu e tu, nesta coisa de perguntar o que não se acha, o que não se lembra.
Eu sei que vives  de recordações. Acho que é exactamente por isso que te escrevo.
Tenho saudades sabes.
Tenho muitas saudades tuas.
Vê se te recordas dos sapatos. De um, ou dos dois, se puderes.
E não te esqueças que nunca preciso de cartas tuas. Basta-me que fiques por aí e que te vás lembrando de mim.
Agora vou selar a carta...de tempo e deita-la num qualquer marco da vida. Vai chegar num instantinho...ou não. Mas isso não é nada importante. O importante é que chegue....a tempo das tuas recordações.
Saudades, mil.

Filipa

Este texto foi escrito originalmente, para o Blogue Cartas aos molhos (palavras aos folhos)




Mais escritas...

Aceitando um amável convite para aquilo que sempre fez parte, naturalmente, da minha vida, as cartas.
As que se escrevem para os outros, para as memórias e na esperança de futuro.

Sendo assim, poderão também encontrar a minha escrita, no blogue
Cartas aos molhos (Palavras aos folhos)

sábado, 17 de dezembro de 2011

Enrola-te no meu abraço



Quase sempre era assim. Adormecia sereno, para acordar depois, entre o breu e a madrugada  no meio de um turbilhão de vozes, que lhe escorriam da almofada para os ouvidos e, lhe alcançavam, sem dó, o meio do coração.
Frases e frases. Ditos que se entrelaçavam debaixo do corpo e lhe roubavam  alguns sorrisos, que se escondiam depois, aos pares, nas dobras do lençol.
Sabia que eram sonhos. Apenas e só sonhos.
Afundava mais  a cabeça na almofada. Repensava as rotinas e tentava adormecer de novo.
Até que um dia, acordou e tinha vírgulas espalhadas. Uma montanha de vírgulas, que tentou sem êxito sacudir.
Puxou o edredon para baixo e ali estava, juntamente com muitas mais vírgulas,  como mancha em papel mata borrão: "enrola-te no meu abraço".
Não havia mais remédio que por a roupa para lavar. As vírgulas às voltas na tombola transparente. A frase sumida em bolhas de detergente, com todos os aditivos.
Cama lavada. O fresco da cama lavada...um sono de sonhos e de todos os ditos.
E, no outro dia, não só no lençol, como no corpo, tatuado, com a caneta de tinta permanente que insistentemente lhe escrevia a vida: "enrola-te, no meu abraço"...
Deixou que a água lhe escorre-se pelo ventre nu e levasse com ela a tinta.
Saiu de casa, apressado,  a apanhar o último autocarro...mas a esquina já tinha engolido as horas. Ficara um única frase, na paragem, vazia...reconheceu-a de imediato pela postura: sentada muito direita e rodeada de vírgulas..."enrola-te no meu abraço!"
Pegou nela e sem mais remédio, levou-a consigo...

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Se as Palavras vierem...


Escreverei se as palavras vier...em
Não vêm sempre.
fazem-se normalmente esperar...para depois, chegarem em catadupa
Como se fosse o vento que sopra e nos faz respirar, a  tempo, de uma outra, golfada de vento...


(a fotografia é do google images)









Mariana Ianelli





PIETÀ

Por delicadeza
Devia cada um resolver seu vestígio,
Não deixar o corpo a esmo,
Atravessado na passagem,
Sem desejo, sem enigma.

Mas se me fica o teu corpo
Eu te arrepanho nos braços
Com a maternidade do ofício
E lavo os teus ombros
De quanto pesou sobre eles,
O teu sexo, que a nenhum afago responde,
Lavo os teus pés, o ato mais santo.

Eu te arremato, eu te limpo da vida,
Faço com que desapareças,
Que o teu equívoco me abasteça
Da razão dos humildes.

Fardo ensoalhado, esse,
De amparar o meu próprio destino.

Mariana Ianelli in "Treva Alvorada", Iluminuras, 2010


Mariana Ianelli, um nome que é já uma afirmação, na poesia de lingua portuguesa,  para nós Portugueses, continua a ser um nome pouco conhecido...

Nasceu em são Paulo, em 1979 e conta já com uma vasta obra poética.
Trajetória do antes (1999)
Duas Chagas (2001)
Passagens 2003)
Fazer silêncio (2005) Finalista dos prémios Jabiti 2006 e Bravo! Prime de Cultura 2006
Almádena (2007) Finalista do prémio Jabuti 2008
Treva Alvorada (2010)

Recebeu ainda o premio  Bounge de Literatura na categoria Juventude e foi no ano passado, finalista do Portugal Telecom. 


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Revisitado


Não devia nada a absolutamente ninguém. Nem um aceno. Muito menos um cumprimento. Sequer uma conta por pagar.
 Há muito que o carteiro deixara de insistir. A caixa, único invólucro de ligação ao exterior, desmesurava de tanto apelo. Eram mensagens de apresentação, de re-conhecimento, de fatalidades. Um absurdo.
Subindo-se a escada, já sem nenhum degrau e, muito menos necessidade disso, percebia-se um ténue martelar de teclas, algures num qualquer andar.
Agradecia-se a si mesmo pela complacência dos minutos, das horas, dos dias, que lhe possibilitavam continuar a fazer de conta.
Há quase dois anos que deixara  de viver e passara, por isso, a fazer sempre de conta.
Sobrevivia de sorrisos festivos, de abraços, num multifúndio imenso de felicidade. Rei daqui e de todos os mares. A navegar incessantemente. Sem precisar de um único porto.
Até hoje.
Hoje sucumbira enfim, ao seu próprio êxtase.
Levantou-se. Um estranho erguer...mas em definitivo. Desconectou  o cordão umbilical - um cabo de USB de fabrico intrínseco - só com a força do corpo, agora levantado.
Tinha atingido, por fim, o número mágico: amanhã choraria, então. Eram cinco mil amigos, efectivamente...

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Quem é o Areias?



O Areias é um camelo. Vai concorrer ao melhor camelo, do blogue do Luís Novaes Tito, A Barbearia do Senhor Luís, com a certeza absoluta de que é o melhor camelo do mundo,  pelo simples facto de que ainda não tem carapuça para o Inverno que se avizinha. Assim sendo, quem quiser que lha enfie.
Como tem cabeça de camelo, qualquer uma lhe serve...é que nos dias que corre, o "convencimento" não enche barriga e o Areias não se pode dar ao luxo de armar em esquisito.
Faz estas figuras no vídeo, mas depois "pia" fininho. (isto se os camelos piassem, que também consta que não).
Coitado do Areias!

(tentei tirar uma fotografia de "pose" ao areias, mas ele não se deixou apanhar)

Plantações do meio do sono



É muitas vezes assim. No meio do sono. Alguém, ou alguma coisa, resolve plantar-nos ideias.
São palavras,  na sua maioria desconchavadas, que se propõem sobrevoar as nossas camas.
Se está frio, divertem-se a puxar os lençóis. Acordam as interjeições. Fazem deslizar de dentro da fronha da almofada, lembranças.
Corremos a fechar portas de armários, a cerrar gavetas. A única forma de  sacudir a poeira das ideias e, sobretudo, as malditas das palavras, estremunhadas,  que as acompanham numa música perdida na noite, com risos de acordeon. Quando era suposto estarem a dormir.
Não, não as vou regar. Quando muito deixá-las por aí, feitas sementes. A pensarem se um dia se poderão transformar em flores, de imaginação. Caules de criatividade numa esteira de sol. Nunca de breu
E é tudo, de  dentro do sono.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Europa: dois segundos atrás (antes da próxima cimeira)

Ilhas de Bruma


Sosseguem os olhos. Todos os olhos, lavados, de alma e brandura, nesta imensidão de azul.
Lá, onde o céu se desfez em horizontes, capazes de nos alongar todos os silêncios. E, por toda uma vida.
Podemos ficar. Podemos partir. Podemos acordar em qualquer canto deste mundo...que o espanto que trazemos dentro, será  sempre em voo. Sem outro destino que não o do lonjura.
O Pássaro? O Açor. A planar suavemente por dentro do peito.
Nove voltas redondas, por dentro das brumas.
Nove ilhas semeadas de lembranças. De mãos dadas, para além deste, ou de qualquer outro tempo.
E o mar...uma imensa toalha de luz, rematada a laçadas de espuma.



(a fotografia foi tirada da net)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Colar de Pérolas



Todas os dias esperava por ela,
Com uma pérola em cada mão.
No meio da avenida movimentada,
Via-a sair do escritório e, a medo sussurrava:
Hoje uma é de esperança, menina...a outra de emoção.
Já se ia o vento que lhe levava os passos, no riso trocista
e as pérolas a rolarem no chão...

Na direita a ternura, na esquerda o coração.
Numa mão o desejo, na outra poesia,
Hoje mais uma promessa...
Amanhã a tentação.
Entre os dedos, sempre um beijo
embrulhado em nácar, na palma da sua mão...

Vinha o vento e passava o frio.
O calor dava lugar ao arrepio.
Uma e outra e, mais outra estação.
E as pérolas, aconchegadas, na sua mão.

Um dia desapareceu:
Encontraram-no morto de ternura
abraçado a um  fio de lágrimas...

o colar, foi-lhe entregue no dia seguinte

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Foi..sem mais nem menos

Foi breve. Muito breve o  voo desses 16 pássaros.
O tempo quase absurdo de um ténue suspiro, que não sabe muito bem, ainda, onde pousar, na demanda de tanto e sempre mais azul...
E o teu sorriso a lembrar o desmedido do horizonte por cumprir. Volteado de todos os 16 pássaros, em cada uma das suas dezasseis cores.
Por cima da ausência, do assombro, da quietude desnecessária, agora.
Tão desnecessária, agora.
E nós lá, à espera... num abraço, que se quer em concha, cingido à  tua planura.
Até sempre Henrique.






segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Tombo de luz



Tombará a luz. A tempo de uma despedida silenciosa da memória, recortada do horizonte
Depois, não sei qual será o segredo
Se desfeito
vazio
frio



sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Estavam todos mortos. Porém...a luz

Não se via vivalma no cais.
O contraste de nada, com o barulho ensurdecedor dos passos idos, e jamais retornados era terrível.
Passaram gaivotas aflitas. Certamente espantadas da ausência de gentes.
Passaram barcos carregados de recordações. Ninguém ao leme.
passaram os medos, a caminho de um lugar longínquo, sobre carris de nevoeiro.
Não passaram as memórias desses passos. Só essas, não passaram...
Estavam então todos mortos. Seguramente. Como se nem sequer houvesse presente. Muito menos futuro. Só os restos das coisas que se tinham feito, espalhadas por aí.
Ao fundo do silêncio, um abraço e um beijo.
Por debaixo da ponte, a viagem. Todas as viagens, em sombras meias trôpegas.
Ninguém em nenhum dos ângulos do horizonte.
Porém...a luz. Num espaço qualquer. Se calhar no simples intervalo da dobradiça das portas fechadas. Por entre as casas desaparecidas. Muito antes, de toda a  morte.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Fado entrelaçado

Deitei a noite, Perdi  o tempo,
O desejo, num lamento,
De um abraço cerrado.
Sussurro de alma esquecida,
Na viela mais escondida,
Dos contornos deste fado.

Fosse destino ou paixão,
Eu tomei na minha mão,
O teu sorriso esquecido.
E no silêncio da noite,
Despi-te da solidão,
Num abraço, perdido.

Dá-me agora,
Esse beijo entrelaçado.
Dá-me agora,
O teu olhar prometido.
Dá-me agora,
O sorriso enamorado,
De um destino mal amado,
Eu  farei  o paraíso.

Deitei a noite,
Perdi o tempo.
O desejo num lamento
De um abraço cerrado.
Sussurro de alma esquecida
Desenhada à partida
Nas entrelinhas do Fado

Dá-me agora
as esquinas do teu gosto.
Dá-me agora
os contornos dessa dor.
Apetece
desatar o teu desejo,
prolongá-lo num só beijo.
entrelaça-lo de amor.

F.V.J.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Primavera encomendada



Quero encomendar uma primavera.
Pode ser pequena, da forma de uma só flor.
Embora me esteja a saber tão bem,
descansar os olhos nos matizados de Outono,
Deixar escorrer pelo canto da boca,
Os bagos sumarentos das romãs.
É o  rosto que se esfuma, no orvalho,
desta espera...anunciada.
Mas não quero esperar.
O tempo urge.
Já não há muitas esquinas para debruar de silêncios. 
Dessas que nos entorpecem os passos,
Nos desaconchegam de abraços.
Só o essencial, para a encomenda, num papel de plátano
Vá, deixa-me lá escrever: Primavera encomendada.
E depois adormecer...
Com o som dos pássaros que amanhã, irão chegar.

domingo, 27 de novembro de 2011

Sombras em Movimento




Tinha exactamente três anos quando  me apercebi que as sombras voavam. Galgavam as escadas da casa da minha avó, através da luz da clarabóia, sempre um passo à minha frente.
Comecei por as tentar agarrar, enormes, nas esquinas. Dobrada numa imensa  e constante correria.
E foi assim, que Lisboa ficou pequena e  me  fugiu dos pés...
Da estrela à Madragoa. Do Rato às Avenidas Novas. Do Rossio ao Castelo...as imagens passavam céleres. Iguaizinhas aos slides do verão.
-Vou ali num instante a casa dos avós e já venho...
 Lançava-me da estrela à Visconde de Valmor, num contra relógio, que precisava sempre de ser confirmado ao regresso...
- Vou outra vez pode ser?
E partia, mais depressa que a resposta.

Mais devagar. Mais devagar - esta miúda não sabe andar- os apelos inúteis da minha mãe, que já só tinham por eco o fundo da calçada vazia, deram lugar às voltas, aos saltos, ao deslizar das mãos nas paralelas. Esfoladas, apesar das estafas.

Foram anos infindáveis onde o sofrimento físico se misturava com a vontade férrea de voar. Muito para lá de todas as sombras...
E elas, cada vez mais exigentes, sempre coladas ao mais infímo dos movimentos.
Sombras que só cediam perante o sono, de um dia cheio, enroscado na frieza de mais uma cefaleia de tensão. De outra tendinite de esforço.
E os sais que não tinham tempo de ser repostos...e o peso que não subia...
O veredicto foi claro:
- Neste nível de competição o organismo ressente-se. Os custos são elevados...há que fazer escolhas.
A sombra a agigantar-se. A engolir-me logo ali, todas as lágrimas que eu ainda tinha . E a correr veloz à minha frente...
Até hoje.
Hoje, Lisboa, voltou a ser pequena outra vez.



(este texto é dedicado aquelas que foram durante anos e anos as minhas segundas casas: ACM; Lisboa Ginásio; Ginásio Clube Português e Sporting Clube de Portugal)







sábado, 26 de novembro de 2011

Ólho Benfica!!!!


É o apelo da águia...aquele bicho altivo, nado e criado na luz,  que lançam em voo estonteante e estonteado, qual torpedo tele comandado. Um verdadeiro apelo à adrenalina.
Hordas que invadem tudo.
Eles, no auge da virilidade do courato e do impropério. Que começa logo no princípio da minha rua.
Elas na sensualidade do cachecolzinho partilhado, a fazer pan dan com a lingerie.
Estacionam onde calha e sobretudo gritam. Gritam muito alto. Chamam pela mãe, pela tia pela vizinhança toda. Invadem estradas e avenidas, na correria para a "Catedral". Esse fenómeno de bom gosto e discrição.
Carregam as crianças em ombros como se fossem troféus.
Vestem os cães.
Empurram as primas as tias, as sogras avenida abaixo, na ânsia de fazer número.
São muito bons pais de família.
A alma benfiquista quer-se vistosa e garrida.
Ciclistas de fundo, que atravessam a minha pacatez claustrofóbica num uníssono "e pluribus Unum".
E ganham sempre. Mais não seja porque foram roubados.
Se não existissem era uma pena. Nós, os sportinguistas, não podíamos perder dignamente nem ganhar com orgulho.
Sendo assim, são um mal necessário.
Amanhã: varre-se tudo.





Desenho gentilmente cedido pelo autor e ilustrados José Abrantes

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Novos mapas políticos da Europa (jogo)









Estas são as hipóteses dos novos mapas políticos de Europa.
Cabe-vos por as legendas.
O primeiro já está: é Grego.
Em falta:  Ingleses, franceses,  Americanos, Turcos, Italianos,  Russos e  Alemães.
Não. Nós não temos direito a escolha
(antes de iniciarem o jogo, podem clicar nos mapas se tiverem alguma dúvida)

À popa do Horizonte

Balancei o rescaldo dos últimos tempos, à pôpa do horizonte.
Uma casa lavada. Uma vida sem enigmas. Uma cidade perdida. E o olhar...transversal ao movimento das ondas que nem sempre me deixaram navegar
Fiz as malas e nunca mais voltei.





A não ser numa única vez, quando a sétima onda, parou. Rasante à minha saudade e desatou a chorar.
Nesse dia empacotei  todos os sorrisos. Voltei-me de costas para ao mar e deixei-me ir.
Adormeci quase na ponta da falésia. Acordei já a vida ia alta.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Operação de Sonho






Sentou-se na beira da maca. Com a leveza de quem não quer que lhe atravessem as barreiras do silêncio.
Sabia que tinha que ser assim. Há muito tempo que sabia que tinha que ser assim.
Um angústia surda invadia-lhe o peito...não se queria esquecer desse beijo. Nem do cheiro a terra molhada. Nem de acordar a tempo de ainda revolver os lençóis, antes de um duche apressado.
O tempero do fim de semana, no destempero dela.
Adiara o que fora possível. Até ouvir borboletas a todas as horas e quase não poder conter as emoções.
Sem espaço de manobra quedara-se agora ali, no absurdo da  beira da maca. Vestido da única esperança possível numa situação dessas.
Que não fosse o sonho de amar. Nem o de ser gostado. Nem o de ouvir Malher, nem o de lhe dar um beijo  e outro e outro, debaixo da chuva.
Via já a mesa de instrumentos.
Dissecadores de sonhos, de todas as medidas, com todos os feitios.
Perguntavam-lhe o nome
- Chamo-me o que quiserem. Mas  só não me tirem o sonho de... SER

Acordou dois dias depois... ESTAVA.



Ana Moura/ Camões

Ar, preciso de ar



Acabam de me telefonar da garagem...o polimento, a hidratação, está tudo concluído. A pintura reposta.  Agora, já só é preciso autorização para injectar (ou ejectar, a própria garagem! ) nitrogénio (a minha tia jura que é nitro glicerina mas eu acho que não pode ser) nos pneus.
Parece que é a unica forma de não ficarem tão perto do chão...
- E que tal meterem-lhes um bocado de hélio? Sempre ficavam a piar fininho e eu chegava mais depressa aos sitios.
Dêem-me a porcaria do carro! Já!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Destino de pássaro

Há pássaros que levantam voos sempre que perdemos a esperança. Ou será que o fazem, porque não sabemos onde deixamos o destino?


Um dia percebi que não tinha sorte de homem. Nem tempo de homem. Só o espaço infinito dos azuis, que se sobrevoam sempre que somos livres.
Nesse dia, abri os braços e deixei-me voar.
Impregnei-me de azul e deixei-me voar.
Foi assim que ganhei asas.
O tempo escoava-se por entre a ventania.
O espaço, numa demência volteante, a raiar o círculo do horizonte.
Confesso que tive medo.
Esperava-me o ar. Completo. Tranlúcido. Ora morno, ora gélido. Ora suave, ora tempestuoso.
Deixei-me pairar nesse abraço de coisa alguma. Tão ou mais cerrado que um beijo de brisa...


terça-feira, 22 de novembro de 2011

Hidratação automóvel

Eu trato de  tudo. Absolutamente tudo sem ajuda de ninguém. Bilhas de gás incluídas. Tenho uma estratégia, que funciona na perfeição, apesar de me dizerem que é ilegal (tinha que ser e por isso não posso explicar)
Só há uma coisa que me põe os nervos em franja: garagens. E, os respectivos mecânicos.
Começa na pose. Aquele andar gingão, com a cabeça de lado para observar todos os pormenores.
Assim que entramos numa garagem, o nosso carro transforma-se imediatamente num case study a precisar de ajuda urgente e nós em serial Killers.
Desta vez, achei que era pacífico...pois se foi um cavalheiro que descaiu o jipe para cima da "testa" do meu "circulante" (os carros para mim servem para andar, exclusivamente. Ao contrário do jaguar do meu vizinho que serve para polir. É lindo mas nunca ninguém o viu, a não ser nas sessões de polimento)...não haveria mais nada que dizer. Retoque-se a pintura, passe para cá para cá o bolinhas de substituição, et violá.
Mas antes que tivesse tempo de acabar de assinar os papeis, já o andar gingão e prescutante, da cabecinha de lado observadora, me dizia:
- A Senhora já viu estes pneus?
Como a melhor defesa é sempre o ataque retorqui de imediato: se está a pensar aproveitar para susbtítuir os limpa para brisas, tire o cavalinho da chuva. Se os arranca, volta a pô-los cá outra vez...(é das poucas peças que conheço. Quando avançam motor adentro, sinto-me perdida na selva do indiana Jones)
-É que estes pneus andam muito rente ao chão e sofrem mais desgaste...
(seria suposto andarem onde?)
- Está a ver esta marca aqui. Tem que ter mais de um milímetro entre a marca e o rodado dos pneus...
(nem à lupa)
- Caso contrário, assim rentes ao chão e com este tempo...
Só tive tempo de explicar: o carro veio cá porque levou uma pancada de um jipe que não sabe fazer ponto de embraiagem. Mude-lhe a ele os pneus!
- Além de que precisa de ser hidratado...
Hidratado? Hidratado está ele com este tempo. Tem toda a hidratação que precisa...pois se chove...
- Não, não está a perceber...é a pele. Esta pele precisa de ser hidratada.
Aqui confesso que a linguagem começou a ser-me mais familiar...
-Mas quer pôr creme ao carro?
-Claro! leva uma camada de cera por fora, uma hidratação por dentro...
Fui enganada! Sou sempre! Desta vez vou pagar uma "hidratação automóvel! Mas não fui capaz...já sentia a cara toda repuxada...malandros!





quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Ponte por cima da minha ousadia




Nunca pensei chegar o dia, em que uma ponte se sobrevoasse. Se lançasse por cima da minha ousadia
                                  e num repente, alcançasse o silêncio desmedido do céu.

Desde que o horizonte se rasgou, foi exactamente isso que aconteceu.
Eram seis e meia da tarde, sem sombra de memória.
Ficou apenas o lençol desfeito, no compasso mais- que -perfeito.
Amanhã seria história...
não fosse o céu  cheio de vento, a querer rasgar mais um e outro e outro, momento.




(Fotografia tirada no Chile, pelo fotógrafo Mário Castello)
                                        

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Para sempre, o luar


Era quase noite.
Um fundo de estrelas cobria o lençol.
O absurdo silêncio deste lugar...
Onde os meus olhos se perderiam,
Onde os teus olhos se esqueceriam,
E a pureza rarefeita da vertigem
Entrelaçada de madrugadas,
Desde os meus destemperos
Às tuas mãos,
Cerradas.

Depois foi a leveza de respirar
Onde antes havia somente chão
E agora,  ficaria,
Para sempre o  luar.


( a fotografia foi tirada no Chile, no sopé do vulcão Osorno, pelo fotógrafo Mário Castello)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Feira do Livro de Porto Alegre


Realiza-se neste momento, aquela que é a maior feira do livro a céu aberto de toda a América: a feira do livro de Porto Alegre. A ombrear com as Jornadas Literárias de Passo Fundo, brilhantemente organizadas pela Drª Tania Rossing, desempeha um papel fundamental, quer na literatura brasileira, quer em toda a literatura da América latina.
Muitos são os escritores portugueses representados e premiados, ao longo das várias edições


Este ano, com um vencedor antecipado, o extraordinário "Don Frutos" do meu grande amigo, o escritor Aldyr Garcia Schlee. Um romance baseado na vida do General Don Fructuoso Rivera. A fronteira  ténue do imaginário do Sul. Lá, onde o samba se confunde com as milongas. E,  as paisagens sempre nevadas da Patagónia, ali tão perto.


"Todos em Jaguarão sabemos quem é Don Frutos. Sabemos que foi presidente do Uruguai por duas vezes; sabemos que vinha vindo do Rio de Janeiro, onde esteve preso na Fortaleza de Santa Cruz e onde passou anos e anos impedido de voltar - proibido de chegar aqui; e de, ao menos, botar o pé ali do outro lado do rio"

In Don Frutos, Aldyr Garcia Schlee, edições ardotempo, Porto Alegre, Brasil

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Colecção de espantos





Tinha passado pelos selos, pelas caricas, pelas latas, pelos cachecóis do glorioso...uma casa cheia de recordações,  a lembrar a adrenalina, as gritarias, a exultação, o gosto partilhado, com cada um daqueles objectos que jaziam por ali, acotovelados em silêncios.
Demasiados silêncios...
Um dia saiu à rua e lembrou-se de coleccionar espantos.
Não era difícil. Ouvia-os a cada esquina. Na boca dos vizinhos, na paragem do autocarro, no mercado, ao fundo da rua, onde as peixeiras descongelavam apressadamente a frescura.
Ai sim? Não me diga? Ora essa! quem diria....francamente! Ah... Oh!
Com os espantos, ainda por cima, vinham retalhos de vidas...não eram uma coisa muito completa, ao contrário. Só deliciosamente desvendada... então não me diga que...via-se logo. Ali andava coisa....pois, certezas, certezas não tenho, mas lá que poderia,  lá isso...

Pegou então no saquinho de Viana, com ditos de amor, carinhosamente bordados pela tia e foi-os guardando.
Os espantos, quedavam-se mudos assim que entravam no saco. Mas por muito, muito pouco tempo. Só até chegarem a casa.
Desfeito o laço, o ar enchia-se então de exclamações e ele...ele ria-se, perdidamente!

domingo, 13 de novembro de 2011

Marcación



Ela imóvel no balanço, à espera. Marca-me!
O peso transposto de um para o outro lado e a indefinição do movimento, num abrazo de quase vento...
-Anda marca-me!
E o passo a desenhar-se-lhe ainda aberto, desalinhado...a fazê-lo forçar, sobre ela, o peso. Imenso, nos tornozelos...
-Marca-me Carlos! Marca-me!
Como se não houvesse compasso. Como se o espaço se desfizesse. A perna no prolongamento do tronco. Correcto e alinhado, mas estanque. Sem fôlego. Uma única brisa que lhe fechasse o abrazo...
-Carlos!!! La mirada!
E o desalinho dos olhos num silêncio, entre o acordéon...suplicantes...
-Un ocho! Hombre!
Por um pequeno espaço aberto. Um infímo lugar de mais nada. Entre o tronco dele e, a curva do pescoço dela. A palma da mão voltada para baixo. O passo dela, a recuar, a recuar...timidamente suspenso... e depois, abruptamente a firmeza explicita: para cruzar!
Uma leve pressão na alça do vestido e a "intenção", finalmente completa, num suspiro de Piazzola.
-Cierra ya!
E ele cerrou!
A musica fugia já pela janela...o veredicto de outros compassos a buzinar-lhe as emoções...no te entendi la marca...no me marcaste...
E o sorriso dela, e o abraço fechado e a marcación correcta e os passos por fora, no sentido dos ponteiros da noite que rodava e, rodava e, rodava, pela Rambla. Palco agora, de todas as estrelas.






Nota: Apesar de o tango ser uma dança essencialmente de "mirada" e "oído". Há uma série de sinais a reter. O mais importante é a marcación ou marca. Começa-se no balanço, onde se fixa o olhar. Depois a mulher espera a marcación...poderá apoiar ligeiramente a mão no peito do homem, para  a tentar adivinhar...a marcación é o impulso inicial,  que permite depois a resposta. Sem ela, a mulher ficará estática, à espera. Na maioria das vezes a primeira marcación é feita em frente. (passo longo ou curto, a dar diferentes espaços) poderá no entanto surpreender por uma saída firme pelas laterais, ou por um "declinar" à direita ou à esquerda. A marcacion é complementada por sinais nas costas da mulher, e pela intensidade do enlaçamento. O pior que pode acontecer no tango  é finalizar com um "não me marcaste" ou "não entendi a tua marcação". Quer dizer que a mulher não conseguiu perceber as intenções de dança. A condução não foi clara...e sem ela não há tango.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Mimi Kozlowski / Eladia Blázquez




Foi no passei público que descobri os teus passos. Apressados de nada, pela quase maresia da calçada, numa onda desdobrada em mil pedrinhas.
Não sabia como fazer para te seguir…a não ser com os meus passos em cima dos teus passos, num rodopio contínuo. Firmemente amparada ao teu abraço.
Foi assim, que sem perceber, eu aprendi a voar.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Memória em viagem



As portas do comboio abriram-se. Não sei exactamente como nem porquê. Muito menos para onde.  Entrei. Limitei-me a entrar.
Segui o corredor. Sempre  a direito, sem vacilar. Nem os balanços, me fizeram vacilar.
Passei as portas todas.  De um para outro vagão, desertos de coisa alguma. Estanquei na última, já a debruçar-se pelo horizonte.
E sentei-me. De frente para o passado, que rodava num entusiasmo frenético, um balanço, um balanço…
Sem querer saber,  adormeci.
O sonho não o vivi . Ou não me lembro, não sei.
Quando acordei, encarei de frente o mesmo cenário. E foi então que percebi. A viagem estava ali  à  minha frente.
Feita de passos dados, de sorrisos sorridos, de gentes que nunca voltam.
Sentada ao meu lado, aconchegada entre o vidro dessa última janela, na derradeira carruagem, viajava de branco…
Perguntei-lhe o nome.
Disse-me chamar-se memória...

(a fotografia é do fotógrafo Mário Castello)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Pássaros de Origami



Ficava à janela, com os quadrados de papel colorido espalhados na mesa baixa, desse  rés-de-vida.
Era assim, todas as manhãs.
Dezenas de quadrados de papel coloridos. Recortados.  À espera.  Repousados, ainda da noite, em  cima da mesa baixa, sempre colada à janela.
Um banco trôpego e aos mãos a quererem dançar...
O tempo não lhe apaziguara a timidez...sempre tão complicada essa parte, de perguntar a quem passava. Mas inevitável, para saber se o pássaro seria azul, laranja...irremediavelmente violeta, de uma cor qualquer ou absolutamente carmim.
-Bom dia: se hoje pudesse escolher, o que lhe aconteceria?
O espanto sobrepunha-se sempre à pergunta
-O que me aconteceria?
Podia então vir de lá, uma resposta vaga, um sorriso de hesitação, uma memória vazia, um dito ocasional. Até acontecia, ser só um suspiro impaciente ou uma lágrima...a raiva incontida, também.
- Olhe, não me aconteceria nada!
-Aconteceria não ter que estar doente, ora essa!
- Que estranha pergunta...

Para não acontecer nada ele já sabia de cor...seria branco. Sempre branco, ao sabor de todos os arco-íris. Uma doença, verde de esperança e uma lágrima, ai essas... a exigir sempre a maldita transparência. Difícil a transparência, que lhe fazia bailar os dedos no vazio. Dobras complicadas, muito complicadas. Os cantos do ar, perpendiculares às rectas do coração...de mestre!
No fim do dia, apesar de tudo, a tarefa estava sempre cumprida.
Alinhava-os então,  um a um, no parapeito. Fechava a janela e deixava-os lá. Voavam sempre, os sonhos, em  pássaros de Origami.


domingo, 6 de novembro de 2011

Manuela em vestido de roda




A televisão foi perdendo o som e a cor...agora é só um manto esverdeado onde projecto pedaços de vida, mais ou menos esquecidos de mim. A televisão é um bocado de espaço...cinquenta centímetros. E, vejo-te a ti Manuela...há tanto tempo que eu não te via...Tens um vestido branco e o cabelo apanhado.
 Não me lembro de outro dia em que o teu cabelo rebelde ficasse assim tão bem...danças uma dança de roda, suave e, muito longínqua. Uma dança que me deixa tonto, nesta cadeira de abraços.
Que bonita que tu eras Manuela!...E mesmo agora neste rectângulo entrecruzado de laivos verdes, de quem quase já não  vê, com olhos de ver...ainda me pareces tão bonita.
Lembro-me agora: estavas feliz. Muito feliz. Foi numa manhã de Setembro, num tempo já recontado da minha vida, mesmo à esquina do verão. Uma breve e pálida  manhã de Setembro, dessas que quase ninguém se lembra por não serem quentes nem ventosas nem dias feriados nem dias diferentes. Era Domingo e estavas tão bonita Manuela...
Entraste apressada na minha vida nessa mesma manhã ...eu sei Manuela o tempo não podia esperar mais. Nem tu, nem  o meu vazio...
Estavas tão feliz Manuela...não me esqueço mais do teu cabelo, dos teus passos apressados, da tua dança de vida, do teu sorriso. Da vontade que tinhas de começar por mim e, por ti, nessa manhã, já longe, da minha vida.
Casámos cedo. Uma missa breve de olhares e sorrisos. Disso lembro-me muito bem. O resto da festa, foi-se esfumando devagarinho, no compasso dos amigos esquecidos ou já partidos deste lugar...mas não interessa...lembro-me de te ver feliz Manuela! Talvez porque achasses que um dia me poderias mudar, que um dia o meu tempo fosse também o teu tempo e o meu espaço fosse também o teu lugar. Não foi bem assim, já não sei bem porquê, mas não foi bem assim.
Não sei onde ficaste Manuela feliz, de vestido de roda e sorrisos...já não me lembro. Onde ficaste tu Manuela?


(Fotografia do Fotógrafo Mario Castello)

sábado, 5 de novembro de 2011

Destinos de vento


Nunca mais quero que o vento me afague.
Nunca mais.
O vento sopra destinos ingratos
Em sílabas desconsertadas,
quase sempre na direcção errada.
A tónica passa ao lado,
Do meu movimento menos que perpétuo.
E eu,
Eu, só me sinto a sufocar.


(a fotografia é do fotógrafo Mário Castello )

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Imagem perdida e galope.


O dia nasceu cinzento, mas a manada exigia desvelo.
Saiu para a lezíria, num trote curto. Pelo caminho o encontro marcado com o rio... e, foi aí que aconteceu. Debruçou-se na margem, reviveu-se, espelhado nas águas. A vida lancetada a escopro, no tracejado intermitente do rosto.
Vacilava, sem duvida, a imagem...mas tão nítida!
Contemplou-se mais uma vez. Uma vida cheia e longa. E a água a limpar passados e avivar memórias...
Subitamente e sem se perceber porquê... a imagem a ir-se...rio abaixo. Perdida...
Tentou ainda, num último esforço, laçá-la. Mas em vão. A imagem seguiu.
Rodopiava agora, em águas revoltas.  Os olhos suplicantes, num esgar de medo.
Lançou-se, sem sequer pensar, num galope, pelas margens do Tejo.
O cavalo de um lado, ofegante. A imagem perdida, num remoinhar sem dó...
Galopou até à foz.  A tempo de a ver mergulhar num caldo de água salobra que lhe dissolveu primeiro a infância, depois a juventude e numa última onda, o dia de ontem.
Voltou para casa e, pela primeira vez, sentiu-se só.


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Para aliviar a pressão...



Nada como uma dança Irlandesa.
Pelo menos batem com força com os pés no chão! Resta saber se lhe valerá de muito...

O Teclado do meu computador não tem caractéres Gregos

Estamos numa Europa Unida...a Grécia, no epicentro de uma crise que nos querem fazer crer financeira e económica. Mas que tem por base valores. Essencialmente valores.
Pensei por isso recuar uns tempos. Precisamente até ao  aéropago de Atenas,  para retomar as questões de Cidadania, de Virtude, de educação. da  παιδεία  original.

Deparei-me com um problema...o meu teclado, feito certamente na China, não tem caracteres Gregos. Os chineses não estão preocupados com esses preciosismos, sendo que muitas destas palavras, são dificilmente traduzíveis à luz dos nossos dias...
Assim sendo, restava-me a tarefa ciclópica de utilizar o tradutor do google e a sua vontade própria, no que às questões Socráticas diz respeito. Achei melhor não.

Agora deparo-me com um problema ainda mais risível. Desde que escrevi a única palavra em Grego deste texto, já não consigo voltar à letra original...

Αν ήμουν στη θέση της κυρίας Μέρκελ ήταν προσεκτική ...

(quer dizer mais coisa menos coisa...Eu se fosse a Srª Merkel estava atenta...)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Alfaiataria de Palavras




Por toda a noite, alinhavavas palavras, com o tecido bem esticado nos joelhos.
Primeiro os pespontos das sílabas, sob as entretelas. De uma, ou outra recordação.
Só depois o rumo certo no corte. Capaz de desenfrear frases completas, aos ombros, retalhados, das memórias.
Alinhavavas os braços, devagar, pelo tempo que passava...
Pernas ainda esquecidas, dos passos. Mas com o comprimento correcto, de todos os sonhos.
De tempos a tempos paravas. Ias até à única janela da alfaiataria e fumavas um cigarro. Suspenso de uma linha,  muitas vezes ténue é certo, mas riscada firmemente a giz, logo no início da noite.
Era o tempo de fantasiar mais uma casa. Desejar o alinhavo perfeito, a escorregar, em terreno ameno de fazenda...
As horas passavam, assim,  na quietude. As únicas horas em que na alfaiataria de palavras se trabalhava.
O tecido a amarrotar-se  vezes sem conta. À passagem de um cometa, ou na vertigem da cadência de uma estrela.  Era preciso engomá-lo agora e depois. Uma e outra vez...
E o olhar, expectante, da intensidade do último botão...
Antes que a manhã te tocasse à campainha, já o casaco sairia. Vestido de si. Com letras compostas. Pela porta larga da alfaiaria...

Borboletas e cavalos em "pas de deux"

Euro notícias e pão com manteiga

Cada vez mais as notícias chegam aos solavancos...e de manhãzinha. Servidas ao pequeno almoço.
Ontem o Governo de Atenas queria fazer um referendo. Durante a noite, uns pozinhos de perlimpimpim decidiram que era em Dezembro.
Quase sempre acordamos com notícias fresquinhas, que se colam a outras, sorrateiramente, numa dança de bruxas pela noite fora...enquanto a Europa dorme. Ou finge que dorme. Ou tenta adormecer...essa é a parte que ainda não sabemos.
Mas que chegam de manhãzinha, lá isso chegam. Sem sombra de dúvida!
É que dantes, as coisas parece que aconteciam pelo dia fora...caía uma ponte,  era sem hora marcada. Havia um incêncio, interrompia-se o jantar...
Claro que continua  a haver incêndios, sem hora marcada.
Mas as Euro notícias são diferentes. São madrugadoras. A "bomba" do dia,  seja ela qual for é sempre acompanhada do pãozinho com manteiga...
Ora agora,  vá-se lá saber porquê...


terça-feira, 1 de novembro de 2011

Dedilhavas as minhas emoções



Dedilhavas as minhas emoções. Aí mesmo, sobre o mar da palha.
Palco de gaivotas sem pouso fixo e lonjuras.
Não sei porque é que nunca te disse isso...
O tempo, passei-o quase todo,  a retemperar a minha alma numa ou noutra, das tuas cordas.
Relembro agora os dedos, todos os dedos...
longos e esguios que permanecem.
Assomos na paisagem, em crescendo.
Desse ou de qualquer outro lugar.
Foste. Apesar de tudo, foste
No movimento perpétuo, de quem nunca se acaba.
Ficará  para sempre a  leveza, dos teus sussuros de guitarra.
felizmente!

.

Euro-Terramoto






1755 revisitado, nas bolsas de toda a Europa!
Nós portugueses, temos a  derradeira solução, neste primeiro de Novembro. Deixem-se de abóboras retalhadas com luzinhas tremelicantes. Não há bruxa que nos valha. Nem vassoura voadora que nos acuda.  Peguem nos saquinhos e ala...ao Pão por Deus!


Tanto quanto sei e corrijam-me se estiver enganada, o costume de pedir Pão por Deus iniciou-se em Lisboa em 1756, por causa da crise...que na altura dava pelo nome de miséria, mas ao fim ao cabo era a mesma coisa.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A Crise e o Palácio de Belém

(D. Carlos, 29 de janeiro de 1892)

A Literatura Juvenil

Foi uma luta.
Começou tinha eu dez anos, pelas mãos do meu avô.
-Que andas a ler?
Mostrei-lhe envergonhada um qualquer livro juvenil de capa ilustrada e cantos retorcidos de tanta leitura...
-Mas não está já isso lido? Vem cá.
Pela primeira vez, entrei na biblioteca do meu avô, sem que o destino fosse a cadeirinha baixa de costura, delícia suprema de qualquer um dos netos, convidado a entrar no gabinete do avô.
As paredes forradas de livros. De um lado o direito. Do outro a história, a literatura, a filosofia, os ensaios, as revistas que chegavam do estrangeiro...
-Vou-te dar um livro. É pequenino e não é difícil. Serve para aprender a pensar. É para meninas assim, que não se calam e perguntam muito.
O livro era pequenino, servia de facto para pensar e, não me pareceu nada complicado "O Discurso do método" de Descartes.
Acabei aí a literatura juvenil.

Anos mais tarde, deparei-me com uma guerra mais feroz. De uma escolaridade impositiva que arrasta a literatura juvenil até ao absurdo...reagi. Desta feita, com Eça de Queiroz.
Enfrentei uma série de mães acusadoras...a menina, coitadinha, a ler Eça de Queiroz... e por fim, a professora:
- não são idades para se ler Eça. São idades para se ler a Isabel Alçada.
Pois que não. Que a Isabel Alçada (com todos os méritos, que os tem) já estava lida, relida e trelida e que em casa, liam-se os livros da prateleira. Iria ser Eça.
O final do ano lectivo e os que se seguiram deram-me razão.

Como querem que os jovens saibam escrever, interpretar um texto, se não lhos dão?! Será que ainda não perceberam que se lê na medida do tamanho da alma? Não será o mesmo Eça, que a minha filha revisitará daqui a uns anos...como não foi o mesmo Décartes, que  fui reecontrando pela vida.
O Lugar da literatura juvenil existe. Mas tem um tempo. Curto.
Há que dar lugar a mares largos, na aventura das palavra.



Recuerdos del Sul

domingo, 30 de outubro de 2011

Lágrima (da minha filha)

Este poema foi escrito pela minha filha, no ano passado, aos 14 anos.
Hoje, especialmente, este post é dela e para ela.



Lágrima

Talvez precisasse de chorar uma lágrima,
Deserta de nada, vazia de vida,
E ficasse eternamente agradecida,
de ver essa lágrima,
despida.

De causa não chorada,
nunca a vida dela somente é feita.
Porque a  maior arma eleita,
é a lágrima chorada,
e por fim,
abandonada.

Rejuvenesce, paz, sentido eterno.
Por outrora não ter derramado.
É apenas lágrima desfeita,
Aquela que fora em tempos perfeita,
Deusa do tempo acabado.

Inês 


(Lancing College Chapel - West Sussex -  England)